Nossa Bici: 1 projeto que transforma mobilidade e inclusão social em Curitiba

Introdução

Em uma cidade marcada por contraste urbano — onde infraestrutura, transporte e serviços muitas vezes se concentram nas áreas centrais — a mobilidade não é um privilégio universal. Para comunidades periféricas, cujos acessos são dificultados por estradas de terra, ausência de transporte coletivo e distâncias de serviços básicos, a locomoção diária pode se transformar num grande desafio.

O projeto Nossa Bici representa uma resposta concreta e transformadora a essa desigualdade estrutural. Em vez de esperar por obras públicas ou grandes investimentos, a iniciativa aposta na mobilidade comunitária, utilizando bicicletas como instrumento de inclusão, autonomia e dignidade urbana.

Neste post, apresentamos um panorama completo do Nossa Bici: sua origem, funcionamento, impactos, desafios, reconhecimentos e o que ele representa para o futuro da mobilidade e da justiça social em Curitiba — especialmente na comunidade Chacrinha – Vila Esperança, no bairro Alto Boqueirão.

Contexto: por que o Nossa Bici era necessário

A comunidade Chacrinha – Vila Esperança abriga cerca de 65 famílias, incluindo aproximadamente 45 crianças. No entanto, a realidade local era marcada por graves dificuldades de acesso: os moradores enfrentavam uma estrada de chão batido de aproximadamente 1,5 km para chegar a serviços essenciais, com transporte público praticamente inexistente.

Diante disso, tornar a bicicleta um meio de transporte concreto e acessível passou a ser uma alternativa viável — e urgente. A mobilidade passava a ser vista não apenas como conforto, mas como direito: direito à educação, ao trabalho, à saúde, ao convívio social. O Nosso Bici emerge, então, como um projeto de justiça social urbana, com o potencial de transformar o cotidiano de dezenas de famílias.

O que é o Nossa Bici

O Nossa Bici é um sistema de bicicletas comunitárias, concebido e implementado pelo Instituto Democracia Popular (IDP), com participação direta da comunidade beneficiada.

Ao invés de ser um sistema convencional, comercial ou privado, o Nossa Bici aposta na co-criação, cooperação e corresponsabilidade: moradores participam das decisões, da manutenção, do uso e da gestão das bicicletas. Esse modelo comunitário redefine o que significa mobilidade urbana: não como um serviço isolado, mas como um bem comum, construído coletivamente.

O escopo inicial do projeto foi definido para atender a comunidade Chacrinha – Vila Esperança, no Alto Boqueirão — mas, pela profundidade do impacto social, o Nossa Bici tem potencial para servir de inspiração e modelo para outras periferias e regiões vulneráveis.

Etapas de implementação: como o projeto foi construído

A construção do Nossa Bici ocorreu em cinco etapas bem definidas — todas com participação comunitária e compromisso coletivo.

  1. Campanha de arrecadação de bicicletas e materiais

    O primeiro passo foi mobilizar doações: bicicletas, peças, ferramentas e acessórios. A campanha teve envolvimento de voluntários, apoiadores e da própria comunidade. A resposta foi positiva: mais de 20 bicicletas foram arrecadadas, incluindo modelos variados (adulto, infantil) — um gesto que simboliza solidariedade e esperança. Esta etapa não serviu apenas para arrecadar — mas também para sensibilizar, conscientizar e criar vínculo entre moradores, voluntários e apoiadores sobre a importância da mobilidade ativa e coletiva.

  2. Oficina mecânica e capacitação local

    Para garantir sustentabilidade e autonomia, o projeto investiu em capacitação. Moradores participaram de oficinas de mecânica básica, aprendendo a revisar, consertar e manter bicicletas. Isso torna o sistema menos dependente de ajuda externa e fortalece a comunidade: os próprios usuários passam a ser responsáveis pela manutenção. Essa abordagem fortalece o senso de pertencimento e empoderamento local, ao mesmo tempo em que assegura maior durabilidade e confiabilidade ao sistema.

  3. Oficina de mobilidade urbana e co-criação do sistema

    Mais do que doar bicicletas, o Nossa Bici buscou envolver a comunidade na criação das regras de uso. Em oficinas participativas, foram discutidos e definidos critérios de empréstimo, horários, responsabilidades, prioridades — tudo de forma coletiva. Esse protagonismo garante que o sistema reflita a realidade local, as necessidades reais dos moradores e promova corresponsabilidade — algo essencial para a perenidade do projeto.

  4. Triagem, personalização e estruturação física

    Com as bicicletas arrecadadas e revisadas, realizou-se um mutirão de triagem e personalização: pintura, revisão de peças, identificação visual — transformando-as em “novas bicicletas do projeto”. Também foram instalados paraciclos, bicicletário comunitário e um totem de manutenção com ferramentas básicas, permitindo que a comunidade pudesse cuidar das bikes com segurança e praticidade. Essa infraestrutura física é fundamental: ela dá visibilidade ao projeto, organiza o uso, promove segurança e facilita o acesso.

  5. Lançamento oficial e operação do sistema

    O Nossa Bici foi oficialmente lançado no dia 07 de dezembro de 2024, com 14 bicicletas, 1 triciclo, paraciclos, cadeados e kit de manutenção. Desde então, o sistema está em operação, permitindo que moradores façam empréstimos gratuitos para uso cotidiano — trabalho, escola, compras, deslocamentos — transformando radicalmente a mobilidade local.

Parceiros, apoios e quem torna o projeto possível

O Nossa Bici é fruto da articulação e colaboração de várias frentes:

  • O Instituto Democracia Popular (IDP), responsável pela idealização, coordenação e facilitação do processo de co-criação.
  • Comunidade beneficiada — moradores da Chacrinha — que participam ativamente: doações, oficinas, manutenção, gestão do sistema.
  • A empresa Bike Fácil, que apoiou tecnicamente o projeto: cedeu mão de obra, ajudou na preparação e montagem das bicicletas, e colaborou com a estruturação do sistema.

Esse conjunto de atores reforça uma lógica de cooperação: mobilidade não como produto, mas como direito — e como construção coletiva que envolve sociedade civil, negócio social e comunidade local. Além disso, o impacto do Nossa Bici dialoga com experiências acadêmicas: o projeto se inspirou parcialmente nos resultados do CoolabBici, iniciativa de extensão da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que incentivava o uso compartilhado de bicicletas no ambiente universitário e foi adaptado, com sensibilidade e cuidado, para a realidade comunitária da Chacrinha.

Impactos concretos: mobilidade, inclusão e mudança social

Desde seu lançamento, o Nossa Bici vem gerando impactos profundos e multifacetados na vida dos moradores da Chacrinha — impactos que vão além da simples locomoção.

Autonomia e acesso: Para muitas famílias, a bicicleta deixou de ser lazer ou instrumento de esporte — passou a ser meio de transporte, subsídio de mobilidade, ferramenta de acesso. Moradores que antes dependiam de transporte improvisado, caronas ou longas caminhadas hoje têm à disposição uma alternativa confiável e gratuita. Isso amplia o acesso a serviços essenciais: escola, trabalho, saúde, mercados, lazer. Crianças podem ir à escola com segurança; adultos podem se deslocar de forma mais ágil e econômica. A mobilidade, antes um obstáculo, passa a ser oportunidade.

Fortalecimento comunitário e engajamento: Por exigir participação direta — manutenção, gestão, regras — o projeto fortalece vínculos comunitários. Os moradores deixam de ser meros beneficiários e se tornam protagonistas de sua própria mobilidade. Isso gera senso de responsabilidade, colaboração, pertencimento. Além disso, a oficina de mecânica e as atividades de manutenção promovem aprendizado técnico, valorização do saber local, e empoderamento. A comunidade ganha não só transporte, mas também capacidade de autogestão.

Sustentabilidade ambiental e justiça urbana: A bicicleta, como meio de transporte, reduz a dependência de veículos motorizados, diminui emissões, poluição, consumo de combustível. Numa comunidade onde o acesso por automóvel ou transporte público é limitado, a bike representa mobilidade com baixo impacto ambiental. O Nossa Bici mostra que mobilidade sustentável não é luxo — é necessidade. E, como diz o projeto, mobilidade deve ser um direito, não privilégio.

Inclusão social e dignidade: Para famílias que vivem à margem da infraestrutura urbana, o acesso à bicicleta representa dignidade. A possibilidade de se locomover com liberdade, com autonomia, com segurança — isso transforma a forma como pessoas veem a si mesmas e como a comunidade é vista dentro da cidade. O Nossa Bici contribui para a quebra de barreiras sociais, territoriais e simbólicas. Ele afirma que toda pessoa — independentemente de onde more — merece ter acesso à cidade.

Transformação cultural e potencial replicação: Mais do que um sistema de empréstimo de bicicletas, o Nossa Bici representa um modelo de mobilidade comunitária — uma cultura de cooperação, protagonismo e mobilidade ativa. Essa cultura pode (e deve) servir de inspiração para outras comunidades e municípios que enfrentam exclusão territorial e transporte precário. O fato de o projeto ter sido pensado em conjunto com a comunidade, adaptado à sua realidade e executado de forma participativa, torna o modelo flexível e replicável.

Visibilidade pública e registro documental

O impacto e a importância do Nossa Bici extrapolam a comunidade local: o projeto ganhou visibilidade pública por meio de diferentes canais.

Em 2025, o IDP lançou um documentário sobre o Nossa Bici — com direção da cineasta Luana Muniz — que retrata a trajetória do projeto, desde a arrecadação de bicicletas, oficinas e montagem, até os impactos na vida dos moradores e os desafios enfrentados. A exibição ocorreu no Cine Passeio, em Curitiba. Esse registro audiovisual funciona como documento de memória social, inspiração e divulgação — fundamental para dar visibilidade à mobilidade comunitária, chamar atenção da sociedade e estimular debate público sobre transporte, desigualdade urbana e inclusão social.

Além disso, o apoio da Bike Fácil — com nota oficial de parceria — amplia o alcance institucional do projeto, mostrando que iniciativas sociais e empresas podem colaborar para transformar realidades.

Desafios e sustentabilidade do projeto

Embora o Nossa Bici seja um modelo inspirador, ele enfrenta desafios — como qualquer iniciativa comunitária — especialmente quando se busca perenidade.

  • Manutenção constante e recursos limitados: As bicicletas, muitas oriundas de doações, precisam de manutenção regular. Pneus, peças, ajustes — sem cuidado contínuo, o sistema pode se desgastar. A oficina local e o protagonismo da comunidade são fundamentais, mas dependem de comprometimento e engajamento constantes. Além disso, itens como peças de reposição, ferramentas, iluminação e infraestrutura adequada demandam recursos — nem sempre abundantes em comunidades de periferia.
  • Infraestrutura urbana precária: Mesmo com bicicletas disponíveis, os moradores ainda enfrentam as condições precárias de acesso: estrada de terra, ausência de pavimentação, calçamento, iluminação e segurança no trânsito. A bicicleta ajuda — mas não substitui a necessidade de políticas públicas e investimentos em infraestrutura urbana.
  • Sustentabilidade institucional e continuidade: Manter um sistema comunitário ativo exige apoio institucional, parcerias, recursos e governança clara. Sem continuidade no apoio de empresas parceiras, instituições ou da própria comunidade, há risco de abandono ou de degradação do sistema.
  • Escalabilidade e replicabilidade: complexidade local: Levar o modelo para outras comunidades não é apenas copiar e colar: é preciso adaptar às realidades, ouvir as pessoas, promover co-criação local e garantir participação. A replicação exige sensibilidade, recursos e compromisso.

Esses desafios mostram que, embora poderosa, a mobilidade comunitária demanda cuidado, planejamento e solidariedade coletiva.

Reconhecimentos, prêmios e legitimação social

Apesar de ser relativamente recente, o Nossa Bici já vêm conquistando reconhecimento institucional, visibilidade pública e prêmios que valorizam seu impacto social e inovação.

Prêmios e distinções: O projeto vem sendo destaque entre iniciativas de mobilidade sustentável, urbanismo social e ativismo comunitário. O apoio da Bike Fácil contribui para sua visibilidade e credibilidade. O documentário lançado em 2025 amplia muito o alcance da iniciativa, permitindo que o Brasil — e quem mais tiver acesso — conheça de perto a realidade da comunidade Chacrinha e o impacto da mobilidade comunitária. Esses reconhecimentos ajudam a legitimar o Nossa Bici como exemplo positivo de mobilidade urbana inclusiva, inspirando adoção ou adaptação do modelo em outras regiões.

Papel simbólico e inspirador: Mais do que prêmios, o Nossa Bici ganhou significado simbólico: representa a possibilidade concreta de que comunidades historicamente marginalizadas possam resgatar dignidade, liberdade de movimento e pertencimento à cidade. Ele prova que mobilidade não depende apenas de grandes políticas públicas ou infraestrutura sofisticada — mas de vontade coletiva, solidariedade, cooperação e cidadania.

Por que o Nossa Bici é mais do que um projeto local — é um paradigma de mobilidade urbana

O Nossa Bici reflete uma visão ampliada de mobilidade urbana — uma visão que integra justiça social, sustentabilidade, participação comunitária, saúde, educação e dignidade. Ele redefine o que entendemos por transporte: não como serviço isolado, comercial ou elitista, mas como direito humano fundamental.

Além disso, o modelo demonstra que iniciativas de base — quando bem estruturadas e participativas — podem oferecer soluções reais, eficazes e adaptadas à realidade local, superando limitações de recursos públicos ou privados. Num contexto de urbanização acelerada, desigualdades persistentes e crise ambiental, o Nossa Bici surge como uma luz de esperança: prova de que cidades mais humanas, sustentáveis e inclusivas são possíveis — com bicicleta, cooperação e cidadania.

O futuro do Nossa Bici e perspectivas de expansão

O impacto já visível na Chacrinha é apenas o começo. O Nossa Bici tem potencial para ser replicado em outras comunidades vulneráveis, com adaptações necessárias à realidade local. Para isso, é importante manter a base de cooperação: continuar com oficinas de manutenção, mobilização comunitária, parcerias institucionais e visibilidade pública.

Também é possível que o projeto inspire políticas públicas e iniciativas de micromobilidade em outras regiões da cidade, do país — como um modelo de mobilidade inclusiva e comunitária, complementando sistemas públicos ou privados de transporte. Ademais, o registro documental — por meio do documentário e da mídia — contribui para consolidar o Nossa Bici como referência, memória coletiva e exemplo para ativistas, gestores urbanos e cidadãos interessados em justiça social e mobilidade sustentável.

Conclusão: mobilidade, cidadania e transformação social — pedalando por um futuro mais justo

O Nossa Bici nos mostra que a bicicleta pode ser muito mais do que lazer ou esporte: ela pode ser veículo de inclusão, autonomia, dignidade e transformação social.

Em cada pedalada que atravessa a estrada de terra da Chacrinha, há resistência — resistência à negligência histórica, à exclusão urbana, à invisibilidade. Há desejo de pertencimento à cidade, de acesso — não como favor, mas como direito.

O projeto prova que, mesmo com poucos recursos, é possível construir soluções reais e disruptivas, quando há vontade coletiva, participação local e compromisso com o bem-comum.

Que o Nossa Bici sirva de inspiração para outras comunidades — e que a mobilidade, em toda cidade, deixe de ser privilégio para ser direito. Que cada bicicleta doada, cada oficina realizada, cada pedalada representem mais do que movimento: representem dignidade, esperança e pertença.

Porque, no fim das contas, mobilidade é cidadania — e cidadania deve ser para todos.

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